quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Aula de história: lugar de samurais, robôs e viagens no tempo.

Lembro que, quando estava na oitava série do ensino fundamental, minha professora de História colocou a classe para assistir o filme "Cruzada", protagonizado por Orlando Bloom. Após o filme, ela disse "Isso aqui foi mais um exemplo,ouviram? É um filme, a realidade não era exatamente assim". E eu fiquei confuso, afinal, a obra parecia real, os exércitos pareciam reais...se a realidade não era exatamente daquele jeito, por quê, então, ela nos havia colocado para assistir ao filme?

No final das contas, acho que nem ela sabia. Hoje eu sei que quando ela dizia "a realidade não era exatamente assim", ela queria dizer algo como "a única coisa a ser levada em consideração desse filme são as armaduras legais", pois enquanto referência histórica o filme é um nada. Como dizem alguns colegas meus que lecionam, é o velho esquema de "não tô a fim de dar aula, passo um filme e cobro resumo".

Mas os filmes, assim como outras manifestações artísticas de apelo massivo, podem (e devem) ocupar um lugar de maior importância na educação, principalmente no ginásio, quando os educandos se perguntam o tempo todo pra que diabos eles precisam aprender sobre egípcios, romanos, mongóis, povos aparentemente tão distantes entre si e da realidade contemporânea - e ainda por cima através daqueles slides tão mal feitos. Como aproximá-los? Talvez com samurais, demônios, viagem no tempo e robôs malignos.

Samurai Jack e a simultaneidade histórica.

Um menino, filho do imperador japonês, após ver sua terra dominada pelo demônio transmorfo Abu, parte em uma jornada pelo mundo, a fim de ser treinado em vários lugares e desenvolver diversas habilidades. Quando retorna e enfrenta o "xogum do sofrimento", é, no entanto, mandado para um futuro, aonde não apenas sua terra é dominada pelo inimigo, mas toda a galáxia. Vendo aquilo, ele resolve procurar formas de voltar para seu tempo e impedir que Abu se estabeleça como "mestre dos mestres".

Essa é a sinopse de "Samurai Jack - o Filme" - longa que serve como prólogo para a série animada que foi transmitida no Brasil entre 2002 e 2006 pelo canal de TV paga Cartoon Network. O personagem pode ser pouco conhecido, seu criador não: Craig McCracken, que também roteirizou e dirigiu o longa (e a série do samurai viajante temporal), é o gênio por trás das Meninas Superpoderosas e da Mansão Foster Para Amigos Imaginários. Além de ser uma animação divertida, pode ser abordada em sala de aula de modo a ajudar na superação de alguns problemas que os professores de História tem para romper com o modelo factual de ensino.

Quando Jack parte de sua terra natal, levado por sua mãe, o objetivo é um só: treinar para poder voltar e livrar todos das garras malignas de Abu. Jack percorre o mundo e as civilizações e aprende de tudo um pouco: com os árabes, aprende a cavalgar e a lutar montado; com civilizações africanas, aprende a manejar (e se esquivar de) armas durante uma luta corporal; no Egito, seu aprendizado é em torno da escrita; desenvolve habilidades de countersubmission no Coliseu romano; se torna exímio no arco e flecha ao praticar nas florestas inglesas ao lado de Robin Hood; aprende artes marciais com os monges tibetanos.

Tudo isso soa meio anacrônico, e em grande parte o é, mas é uma excelente oportunidade de chamar a atenção dos educandos para uma sensação que os livros didáticos ainda passam: a de que os povos "se sucedem". Primeiro os mesopotâmicos, depois os egípcios, seguidos de gregos e romanos (que são quase a mesma coisa, não é mesmo?), que dão lugar à sociedade feudal, que se instaura em toda a Europa com a queda do Império Romano. Ao mostrar Jack trafegando por todas essas civilizações, a animação dá a possibilidade de se discutir como, na verdade, esses povos não apenas existiram ao mesmo tempo, como também mantinham contato frequente na maior parte do tempo.

O historiador perdigueiro e a latido distorcido.

A obra ainda dá a deixa para se discutir a função da História - algo que, apesar de ser melhor trabalhado pela Academia, precisa ser mais acessível aos estudantes de Ensino Básico. No futuro, Jack conhece três cachorros falantes que lhe contam sua história: são arqueólogos e começaram uma escavação para descobrir a história da raça canina; ao ver isso, Abu resolveu se aproveitar de sua habilidade de escavação para buscar riquezas minerais, que mais lhe interessavam.

Ora, como não relacionar isso com a própria gênese da História enquanto ciência? Afinal, em diversos momentos foi ao passado que se recorreu a fim de se afirmar ideais "do presente": foi assim com o iluminismo e sua ideia de razão luminosa, que contrastava com a ignorância tenebrosa do medievo; com o racismo científico do século XIX, que legitimava e se justificava no histórico de contato com os povos não-europeus; lá atrás, foi assim em Roma, quando, ao ver o assédio dos povos ditos bárbaros se tornar mais frequente, o passado, republicano e pagão, foi lembrado com nostalgia e associado a tempos de paz (que, na prática, nunca existiram); e, claro, foi ao passado que os Estados Nacionais recorreram na ânsia de se legitimarem.

Também desperta a discussão no que tange ao papel da disciplina histórica no projeto pedagógico humanista: os cães estavam escavando para descobrir o seu passado, saciar a curiosidade e tentar preencher a lacuna da origem da sua espécie. Não consegui não pensar na analogia feita pelo historiador francês Marc Bloch, que afirmava dever o historiador seguir o exemplo dos ogros lendários e ir atrás do cheiro de carne humana. A oportunidade, aqui, é a de discutir a História enquanto Ciência Humana; local, sim, mas, ao mesmo tempo, global - afinal, é necessário saber reconhecer o alcance dos eventos e processos históricos.

"É que nem fofoca".


A obra de McCracken, ainda permite outros milhões de problematizações: choque cultural, a estereotipificação de povos, a clara relação entre Abu e o Grande Irmão de Orwell e a quase total ausência de personagens femininas são algumas delas, todas pertinentes o suficiente para serem abordadas no início de um curso de História. Tudo isso é facilitado por se tratar de uma animação, uma linguagem cotidianamente associada ao lúdico e, por isso, teoricamente mais fácil de se utilizar na desmistificação de certos pontos. (Abro parênteses: digo isso por quê, ao discutir sobre a obra com minha irmã de 11 anos, não percebi nela a mesma confusão presente em minha cabeça e na de meus colegas de sexta série, facilitando a "desmitificação" de alguns aspectos da obra, como a falta de posicionamento temporal da trama)

O que se deve lembrar, acima de tudo, é que não importa a mídia, a linguagem ou o tema: o importante no exercício educativo é o diálogo entre as concepções, visando a síntese de ideias. E como os resultados são sim importantes, deixo registrados os meus: assisti ao filme hoje pela manhã na companhia da minha irmã e, em seguida, o discutimos. Ela aprendeu um pouco sobre a função da História e da necessidade de se desconfiar de tudo que se ouve - e parece ter ficado animada com isso. E eu aprendi com ela que a melhor analogia a ser feita sobre a produção científica: "é que nem fofoca, ? por mais que seja seu melhor amigo falando, você tem que desconfiar, por quê, ? quem conta um conto aumenta um ponto".

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ERRATAS:
- O nome do filme é "Cruzada", e não "Cruzadas" como eu havia escrito anteriormente.
- Eu o assisti na minha oitava série, não na sexta, como havia dito.
- Minha irmã tem 11 anos mesmo, rs.

Agradeço a Quesia e Jorge pelos toques :)

terça-feira, 21 de junho de 2011

Copiosamente Original

Um palco vazio. Na mesa de conferência jaz um livro, solitário. Seguem-se cenas que em nada devem aos registros documentais desse gênero discursivo: as desculpas do mediador pelo atraso do palestrante, a chegada do autor e sua apresentação – tudo tomado por planos longos e impessoais. Os aborrecidos minutos iniciais de “Cópia Fiel” certamente não convidarão a ver o filme mais que a escassa plateia que aguarda que o palestrante James apresente sua obra.

O tema da palestra é também o da película, denominada segundo o título do livro. A reflexão sobre a relação entre cópia e original guia o debate pelo espaço de duas horas de projeção, originando um trabalho fronteiriço: o roteiro tem diálogos copiosos que em nada devem a uma obra literária; a fotografia rebuscada e elegante nada deve ao cinema; sem contar que o filme toca o campo teatral pela adoção do “teatro dentro do teatro” – característica que se faz presente na cena dramática ocidental há cinco séculos (com Shakespeare em “Hamlet” e “As You Like It” e com Pirandello em “Seis Personagens à Procura de um Autor”, por exemplo).

“Cópia Fiel” manda às favas os limites entre as artes e coloca em destaque a própria natureza artística. O que condiciona nosso olhar à obra de arte? Walter Benjamin diz que cada original é dotado de uma aura atribuída pela tradição, que torna o objeto único. Nesse sentido, as cópias das pinturas e esculturas, mesmo fieis, estariam destituídas desse caráter de unicidade. Por isso, a Mona Lisa original de Leonardo Da Vinci vale milhões de vezes mais que qualquer reprodução dela. A original tem um valor simbólico do qual as cópias estão destituídas - por isso, é protegida por um avançado aparato tecnológico e visitada diariamente por admiradores emba(s)bacados. Tal ideia é debatida no filme pelo casal de protagonistas enquanto passeiam pela histórica região da Toscana.

Ao sair da Universidade (onde era discutido o livro) e da loja de antiguidades de “Elle”, o filme ganha densidade, pois incorpora a natureza como elemento. A discussão em torno da originalidade ganha nova dimensão. Ela não está mais no objeto artístico, mas sim naquilo que é tomado como modelo para a criação da arte – a natureza, as pessoas. É possível recuperar o rastro histórico dessa reflexão. A relação entre arte e realidade já foi bastante discutida anteriormente, por inúmero autores, dentre eles Oscar Wilde, que, em sua “Decadência da mentira” (1889), afirmou que, na verdade, é a natureza que imita a arte, já que o modo como enxergamos a natureza é condicionado pelas artes que nos tomamos como referência.


O filme busca um meio termo entre essas conclusões, tocando numa questão (pós)moderna: não há uma realidade inata, o que há é o que apreendemos dela – e o que enxergamos é pautado por inúmeras influencias sociais e culturais. Sendo assim, somos o que inventamos ser. A arte, na medida em que nos leva a explorar novos “eus”, torna-se o espaço em que os indivíduos se dão conta de suas possibilidades.

Fernando Pessoa disse que é na distância de nós que descobrimos quem somos. O tema tem espaço na literatura já alguns séculos. Se Abbas Kiarostami não inovou no tema, inovou no modo de tratá-lo, já que leva suas personagens a renegociarem constantemente seu lugar na ação, o que multiplica a força de sua “encenação”.

As personagens de “Cópia Fiel” experimentam literalmente a teoria que defende a identificação dos leitores com as personagens criadas: ao invés de experimentarem outras vidas à distância, a mulher e James lançam-se no jogo de criação de personagens, abandonando os papéis que usualmente interpretavam. A Toscana torna-se palco de um processo de descoberta de si e de desdobramento do eu. A ideia de que o mundo é um palco e nós meros atores é em “Cópia Fiel” muito trabalhada, já que o “travestimento” parte dos dois lados – conhecemos pouco das personagens até elas começarem a se reinventar. Ao mesmo tempo, o espectador, afoito para entender o que se passa, revisa mentalmente o caminho que já foi percorrido pelas personagens e questiona tal representação: será essa atuação mais real do que o papel assumido pelas personagens em seu cotidiano? Ou será apenas uma realidade mais fictícia?

Para compor a questão cinematograficamente, o diretor utiliza os jogos de espelho que multiplicam a “realidade”, detalhando suas várias gradações. No antiquário escuro, onde predominam originais e cópias de obras de arte, vemos James conversar com “Elle”. Na clara praça da cidadezinha da Toscana para onde as personagens viajam, apenas vemos a escultura dos amantes refletida no espelho que está no meio do casal, em segundo plano – a “originalidade” da mulher e de James é aqui ressaltada, mesmo que ambos estejam dando corpo às personagens que criaram (porém, onde exatamente acaba a realidade e começa a ficção?).

O belo cenário, aliás, não serve apenas para ostentar histórias de amor pueris: nele a amargurada mãe solteira desdobra-se na esposa de James: ora cética, ora melodramática, ora romântica, ora sensual – toda uma vida (ou então muitas vidas) compactada em umas poucas horas, o espaço de uma tarde. Quando o casal de Kiarostami discute a relação turbulenta que inventou para si, está discutindo o papel de cada um de nós na sociedade: os papéis sociais que interpretamos são em grande parte condicionados pela nossa herança cultural – é por isso que a língua, importante fator identitário, desempenha papel fundamental na película, construindo simbolicamente a aproximação e o distanciamento entre a(s) mulher(es) e James.

Juliette Binoche é, ao meu ver, grande responsável por essa história complexa (e até mesmo academicizante) funcionar tão bem. Não é novidade dizer que a atriz atua e fotografa muito bem. Aqui, no entanto, constrói nos mínimos detalhes as nuances de suas personagens, circulando com fluidez pelo francês, italiano e inglês – idiomas que mostra dominar com perfeição. É muito difícil encontrar numa pessoa essa percepção sensível do estranho ao ponto de conseguir colocar-se tão inteiramente em sua pele (questão, aliás, que é o cerne do filme). A atriz faz com que nos identifiquemos com cada desdobramento que cria de si prória, o que só faz sublinhar o caráter representativo da arte – e da vida.

Porém, se no campo da arte as possibilidades são infinitas, na vida temos de lidar com os liames que nos foram socialmente impostos. A mulher e James precisam pôr um ponto final em sua encenação no momento em que esses liames são ameaçados. Mas como terminar algo que não se sabe aonde começou? Nesse momento, já pouco importa se James e “Ellle” tem um relacionamento amoroso anterior aos acontecimentos narrados na película ou se apenas fingem, se os sentimentos que expressam são originais ou cópias. Repito, assim, a questão que James lançou a “Elle” quando esta lhe disse que a tela que atraía a atenção da multidão de visitantes do antiquário era uma cópia: as pessoas precisam mesmo saber disso?

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Que Fygura!



- Mãe, mãe! Olha! O que é aquilo?
- É um homem fantasiado, não precisa ter medo.

Eu tinha uns cinco ou seis anos e, bem, sentia um pouco de medo sim, é verdade, mas estava, de fato, espantado. Não era para menos: era a primeira vez que eu andava pela Avenida Sete, principal avenida do centro de Salvador, e tinha acabado de me deparar com uma figura que parecia saída de uma daquelas histórias medievais, aonde feiticeiros transformam pedaços de metal retorcido em criaturas malévolas. Minha mãe não se importou muito. Ela dizia que "baiano tem dessas artes mesmo", que eu não devia me impressionar muito. Mas como não se impressionar? Eu estava em Salvador a passeio e, ao voltar para Maceió, contei a todo mundo que na Bahia havia um Cavaleiro do Zodíaco que ficava andando pelas ruas. Ninguém acreditou em mim. Os adultos diziam que não existiam Cavaleiros do Zodíaco, e meus amigos diziam que eles só existiam na Grécia. Me calei.

Anos mais tarde, já morando em Salvador e estudando em Nazaré, pude vê-lo novamente e perguntei a meu pai, que não soube me explicar o que fazia aquele cidadão andar debaixo do sol escaldante de Soterópolis com aquela indumentária metálica. Por sorte, conheci uma menina que era muito fascinada por aquele ser exótico e descobri um bocado de coisas sobre o homem da armadura. Aliás, não apenas coisas sobre ele, mas sobre Salvador, de uma forma geral. Digamos que ela foi uma das grandes resposáveis por aflorar minha baianidade, o que não deixa de ser muito irônico: eu, alagoano de nascença, me descobri baiano graças a uma paraibana que sabia tudo sobre Salvador, mas odiava a cidade. Vai entender.

Mas, bem, descobri, que o nome daquele ser intrigante é Jayme Fygura e já fez (quase) tudo nessa vida. Vagava pelo centro da cidade catando lixo para fazer sua arte. Ninguém sabe ao certo quando Fygura aderiu a esse estilo de vida, nem ele mesmo. Sabe-se que, em algum ponto dos anos 70, foi morar na rua após ser rejeitado pela família por se interessar pelas artes plásticas e por se vestir de modo diferente - "isso não é coisa pra preto", eles disseram. A armadura veio depois, quando se envolveu com o movimento punk. E, aliás, a ocasião do meu primeiro encontro com ele foi uma sorte: Jayme não costuma andar pela Avenida Sete. Prefere caminhar pela Carlos Gomes, mas não me perguntem o motivo. Só sei que sempre que ando pela referida avenida, fico olhando para os lados, na esperança de vê-lo.

A última vez que me bati com Jayme foi no Largo dos Aflitos, em setembro do ano passado. Eu ia em direção ao Passeio Público e lá vinha ele com sua armadura na direção da Carlos Gomes. Reparei que haviam alguns flyers, não sei se colados ou costurados, nas partes de sua vestimenta que são feitas de pano. Era época de campanha eleitoral e os flyers propagandeavam a candidatura de Paulo Souto, que concorreu ao governo do Estado pelo Democratas, e que construiu sua trajetória política sob as asas do finado Toinho Malvadeza, também conhecido como Antonio Carlos Magalhães. "Qual é o caso, Jayme?", pensei, cá comigo. Segui meu caminho. Jayme seguiu o dele.

Ontem eu estava no ônibus indo em direção às Cajazeiras, pensando nas figuras exóticas que andam por Salvador, e não pude deixar de lembrar de Fygura. No entanto, aposto que quando Jayme pensa nas figuras ordinárias que caminham por nossa cidade, face alguma vem à sua mente. Ou será que vem? Não sei. Só sei que ele continua com suas palhetadas pelo centro de Soterópolis, trajando sua armadura intransponível, que assusta, encanta, e que o torna parte indissociável do imaginário soteropolitano. Não sei se ainda trabalha com artes plásticas, ou se continua desenvolvendo o trabalho social que fazia com os jovens da Gamboa de Baixo, junto com o Teatro Gamboa Nova, mas sei de uma coisa: eu moro em uma cidade que tem um Cavaleiro do Zodíaco ambulante.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

E quando o referencial se omite?

Referencial. Segundo o dicionário Michaelis da Língua Portuguesa, é aquilo que é utilizado como referência. Logo nas primeiras aulas da oitava série do Ensino Fundamental (hoje conhecido como nono ano), os estudantes se deparam com essa palavra. "Tudo depende do referencial", repete exaustivamente o professor, enquanto anda, de um lado pro outro na sala, contando como a maçã que caiu na cabeça de Newton o motivou a desenvolver a Lei da Gravitação Universal. "Esses fatos anedóticos tornam a aula menos dura, menos maçante. Sou um professor moderno", pensa ele. Será o suficiente? Suspeito que não.

Ao longo da minha vida escolar, a justificativa que mais ouvi de colegas sobre seu baixo desempenho em certas disciplinas era a de que "o professor não instigava". Aliás, minto: ainda ouço isso pra caramba nos corredores do Pavilhão de Aulas Thales de Azevedo, no meu amado campus de São Lázaro. Pensei em usar o termo "desculpa", mas voltei atrás: desculpa daria a ideia de que não acredito no que os meus colegas falam, que penso que inventam isso para justificar sua preguiça e/ou falta de disciplina. O caso é que eu acredito e concordo plenamente: a maior parte dos professores não se importa em instigar o estudante a estudar.

Estava conversando essa semana com uns amigos sobre o ódio que a maior parte da intelectualidade nutre contra o marketing, a publicidade e seus operadores. "Eles embalam lixo e vendem como luxo", me disseram certa feita; "convencem as pessoas a comprar coisas que elas não precisam e que, por sinal, nem os próprios publicitários compram", me disse uma vez uma amiga que trabalhou algum tempo em uma agência de publicidade. Boa parte dessas críticas vem do pessoal que estuda e trabalha com as tais Ciências Humanas, aquele povo bacana que anda por aí, em sua maioria, com camisas vermelhas e cópias do Manifesto do Partido Comunista debaixo do braço. O mesmo povo que esperneia pelos arredores de São Lázaro, apontando a ineficiência dos professores em instigar os estudantes. Não percebem que enquanto criticam e desprezam os estudos sobre o marketing, estão, na verdade, apenas trilhando o caminho para serem a próxima geração de professores chatos e quadrados; estão cumprindo o primeiro passo do Manual Prático de Como Não Instigar os Alunos a Estudar.

Por mais inovadora e interativa que seja a sua metodologia de ensino, por mais que você saiba a Pedagogia da Autonomia de cor, quando você está em uma sala de aula, na frente de estudantes, sejam eles crianças, adolescentes ou adultos, eles supõem que você conhece mais daquela disciplina, daquele assunto sobre o qual você se propõe a lecionar, do que eles. Suposição lógica e válida (pelo menos teoricamente). Você é a referência daqueles indivíduos.

O que parece, no entanto, é que a maior parte dos professores ignora esse fato. Chegam nas salas de aula com suas mochilinhas, seus caderninhos e, claro, seu pen drive, aonde está contida toda a aula, em uma apresentação do Powerpoint. Falam, esperam questionamentos que raramente chegam, levantam debates que quase nunca são frutíferos e saem dizendo que o sistema é bruto e imutável. Esquecem de vender seu peixe, de mostrar para aqueles estudantes que estudar é bacana e que tudo que está contido naqueles livros faz parte da vida deles. Esquecem de serem gentis, de serem sensíveis às diferentes realidades de seus educandos e de serem, acima de tudo, um exemplo. Eu resolvi estudar História para ser igual ao meu professor da quinta série, que, além de saber muito de História, era engraçado pra caramba. A postura dele me passava a mensagem que era possível sim ser culto, jovem e ainda engraçado, divertido, contradizendo aquele velho estereótipo de "jovem com alma de velho porquê estuda muito". Ele construiu uma imagem. É o que chamam de Marketing Pessoal.

Não digo que não hajam sérios problemas estruturais no sistema(?) educacional brasileiro. Mas acho que para que tais problemas sejam realmente sanados, é necessário, primeiro, que os professores se compreendam enquanto educadores, levando em consideração que, apesar de alguns não gostarem de admitir, a educação é sim um sacerdócio. É bem como ouvi essa semana: é mais eficiente fornecer aos cidadãos armas para criticar as informações que eles recebem do que diminuir as informações que eles recebem; a criticidade vai permanecer com eles para sempre, enquanto não se sabe até quando o silêncio informacional pode durar.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Cadê o dinheiro, Wagner?

Todo mundo sabe como funcionam os empréstimos consignados: o cidadão vai ao banco, pega o empréstimo e o pagamento é descontado, mensalmente, na sua folha salarial pelo empregador, que fica responsável por repassar tal valor para os bancos à medida em que, obviamente, vai descontando. Aposentados também fazem isso, tendo o pagamento descontado de seu benefício. Não precisa ser nenhum gênio para entender essa equação, muito menos ser um patrão caridoso para manter esse esquema funcionando.

No entanto, não é assim que o governo do Estado da Bahia pensa. O valor a ser pago tem sido descontado mensalmente, como acordado, dos salários dos servidores; no entanto, não tem sido repassado para os bancos. Em alguns casos, essa situação vem ocorrendo desde o mês de outubro. Os atrasos no repasse dos valores descontados sem folha são comuns, mas nunca costumam ultrapassar os 20 dias de atraso, muito menos um mês. Tal atraso tem dificultado a vida dos servidores públicos, principalmente as tentativas de refinanciamento de empréstimo. Em outras palavras: o governo estadual tá colocando o dinheiro da consignação no bolso e roubando o servidor público.

Coisa feia, governador...

Longe de querer criar uma picuinha, escrevo isso em caráter de denúncia, desaprovação e decepção. Muito triste ver um governo de um partido que conseguiu elevar o poder de compra do trabalhador brasileiro, liderado por um outrora líder sindical, agir de uma forma, no mínimo, displiscente. Os servidores públicos estaduais que vem sofrendo com essa situação aguardam uma manifestação pública do governo do Estado da Bahia sobre o assunto. E eu também.