terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Que Fygura!



- Mãe, mãe! Olha! O que é aquilo?
- É um homem fantasiado, não precisa ter medo.

Eu tinha uns cinco ou seis anos e, bem, sentia um pouco de medo sim, é verdade, mas estava, de fato, espantado. Não era para menos: era a primeira vez que eu andava pela Avenida Sete, principal avenida do centro de Salvador, e tinha acabado de me deparar com uma figura que parecia saída de uma daquelas histórias medievais, aonde feiticeiros transformam pedaços de metal retorcido em criaturas malévolas. Minha mãe não se importou muito. Ela dizia que "baiano tem dessas artes mesmo", que eu não devia me impressionar muito. Mas como não se impressionar? Eu estava em Salvador a passeio e, ao voltar para Maceió, contei a todo mundo que na Bahia havia um Cavaleiro do Zodíaco que ficava andando pelas ruas. Ninguém acreditou em mim. Os adultos diziam que não existiam Cavaleiros do Zodíaco, e meus amigos diziam que eles só existiam na Grécia. Me calei.

Anos mais tarde, já morando em Salvador e estudando em Nazaré, pude vê-lo novamente e perguntei a meu pai, que não soube me explicar o que fazia aquele cidadão andar debaixo do sol escaldante de Soterópolis com aquela indumentária metálica. Por sorte, conheci uma menina que era muito fascinada por aquele ser exótico e descobri um bocado de coisas sobre o homem da armadura. Aliás, não apenas coisas sobre ele, mas sobre Salvador, de uma forma geral. Digamos que ela foi uma das grandes resposáveis por aflorar minha baianidade, o que não deixa de ser muito irônico: eu, alagoano de nascença, me descobri baiano graças a uma paraibana que sabia tudo sobre Salvador, mas odiava a cidade. Vai entender.

Mas, bem, descobri, que o nome daquele ser intrigante é Jayme Fygura e já fez (quase) tudo nessa vida. Vagava pelo centro da cidade catando lixo para fazer sua arte. Ninguém sabe ao certo quando Fygura aderiu a esse estilo de vida, nem ele mesmo. Sabe-se que, em algum ponto dos anos 70, foi morar na rua após ser rejeitado pela família por se interessar pelas artes plásticas e por se vestir de modo diferente - "isso não é coisa pra preto", eles disseram. A armadura veio depois, quando se envolveu com o movimento punk. E, aliás, a ocasião do meu primeiro encontro com ele foi uma sorte: Jayme não costuma andar pela Avenida Sete. Prefere caminhar pela Carlos Gomes, mas não me perguntem o motivo. Só sei que sempre que ando pela referida avenida, fico olhando para os lados, na esperança de vê-lo.

A última vez que me bati com Jayme foi no Largo dos Aflitos, em setembro do ano passado. Eu ia em direção ao Passeio Público e lá vinha ele com sua armadura na direção da Carlos Gomes. Reparei que haviam alguns flyers, não sei se colados ou costurados, nas partes de sua vestimenta que são feitas de pano. Era época de campanha eleitoral e os flyers propagandeavam a candidatura de Paulo Souto, que concorreu ao governo do Estado pelo Democratas, e que construiu sua trajetória política sob as asas do finado Toinho Malvadeza, também conhecido como Antonio Carlos Magalhães. "Qual é o caso, Jayme?", pensei, cá comigo. Segui meu caminho. Jayme seguiu o dele.

Ontem eu estava no ônibus indo em direção às Cajazeiras, pensando nas figuras exóticas que andam por Salvador, e não pude deixar de lembrar de Fygura. No entanto, aposto que quando Jayme pensa nas figuras ordinárias que caminham por nossa cidade, face alguma vem à sua mente. Ou será que vem? Não sei. Só sei que ele continua com suas palhetadas pelo centro de Soterópolis, trajando sua armadura intransponível, que assusta, encanta, e que o torna parte indissociável do imaginário soteropolitano. Não sei se ainda trabalha com artes plásticas, ou se continua desenvolvendo o trabalho social que fazia com os jovens da Gamboa de Baixo, junto com o Teatro Gamboa Nova, mas sei de uma coisa: eu moro em uma cidade que tem um Cavaleiro do Zodíaco ambulante.